Aventuras pelas estradas alemãs

Dirigir em outro país é um desafio e uma aventura. Numa viagem pela Europa em 2005 com um casal de amigos, decidimos alugar um carro, já que cruzaríamos a Alemanha de cima a baixo (ou de baixo para cima, como preferir). De início, definimos as funções de cada um: meu amigo José Eduardo Heflinger Júnior seria o motorista, eu o auxiliaria olhando mapas e o GPS e a esposa dele, Maria Helena, ficaria responsável por observar as placas e checar eventuais traduções no guia turístico.
Também decidimos respeitar todos os limites de velocidade. Afinal, antes da viagem vários colegas nos alertaram para a eficiência e a rigidez da fiscalização de trânsito na Alemanha. “Passei um pouco da velocidade e um policial surgiu do nada. Eles aparecem quando a gente menos espera”, contou um. “Uma vez levei uma multa e quase fiquei sem dinheiro”, falou outro. Policiais de surpresa, multas em euro, outra língua, melhor mesmo respeitar as regras com rigor!
Obviamente, tínhamos ouvido também sobre a fama das estradas alemãs. “Você pode correr quanto quiser, é uma maravilha!”, alardearam alguns. De fato, as chamadas autobahns (as vias expressas) não possuem limite de velocidade em condições normais. Já nas estradas vicinais e vias de menor circulação, as restrições existem da mesma forma que no Brasil.
Nossa aventura automobilística começou em Singen, uma pequena cidade localizada logo após a fronteira com a Suíça. Era manhã de domingo e a locadora de veículos abriu só para nos receber – a reserva havia sido feita no Brasil. Lá estávamos numa cidadezinha do interior, numa loja com três funcionários que pouco entendiam o inglês – e nós nada falávamos de alemão... Era apenas o primeiro obstáculo.
Pegamos o carro tentando decifrar o GPS. Partimos em direção a Munique, um trajeto de pouco mais de 250 quilômetros. Após algum tempo na estrada, nossa amiga “Maria”, a moça do GPS (ou melhor, a voz portuguesa do GPS), indicou a existência de um lago à frente. Alguns quilômetros adiante a estrada acabou e nos vimos à beira do lago Bondensee (o lago de Constança, que faz a divisa – não definida – entre Alemanha, Suíça e Áustria). O primeiro pensamento foi: “E agora, este tal GPS não funciona!”. Logo vimos que havia uma balsa e a travessia do Bondensee era mesmo parte do trajeto.
Mais um obstáculo superado, encontramos finalmente uma autobahn. Cautelosos, optamos pela faixa central. Assim, assistíamos a um desfile de Mercedes, BMW e uns carrões da Volks passarem a quase 200 km/h (ou mais), roncando seus motores. E nós a 100, 120 km/h no máximo – isto quando não apareciam estranhas placas. Sim, placas estranhas surgiram. Traziam caracteres cinza indicando velocidade reduzida (normalmente 60 km/h), cortada por traços paralelos. Nessas horas, nosso motorista não titubeava: tirava o pé do acelerador e seguíamos em ritmo lento enquanto os carrões passavam, agora com a impressão (lógica) de que estavam ainda mais velozes. Trafegávamos quilômetros até que uma nova placa surgisse mudando a velocidade.
Em outra ocasião, numa espécie de estrada vicinal, apareceu uma placa que quase nos fez parar. Havia duas indicações de velocidade, normalmente 50 e 100 km/h, e algumas faixas abaixo de cada número. Como pretendíamos evitar multas e complicações com a temida “polizei”, optávamos sempre pela menor velocidade. E assim seguíamos por quilômetros.
Tudo transcorreu devagar e na dúvida até encontrarmos uma limeirense casada com um grego. O casal mora há muitos anos na Alemanha e nos ajudou a entender as estranhas placas. Aquela com linhas paralelas na verdade indica o fim da velocidade restrita indicada (ou seja, pista livre). A outra indica a velocidade para tanques de guerra (nós, brasileiros, não temos conflitos armados como herança cultural, daí nem cogitarmos qualquer aspecto ligado a isso, mas na Europa as guerras são algo fresco na memória e presentes em muitas regiões).
Sim, trafegamos lentamente porque fomos turistas de primeira viagem.
No decorrer do caminho, também vimos placas duplas, uma indicando velocidade e a outra com os dizeres “bei Nässe” e o desenho de um carro sobre um piso escorregadio. Neste caso, fomos salvos pelo guia turístico: a velocidade valia em caso de piso molhado (“quando molhado” era a tradução das duas palavras).
As autobahns alemãs têm uma outra característica curiosa: geralmente não possuem alças de acesso às cidades menores. Tem-se apenas uma estradinha que cai direto na rodovia. Isso implica, muitas vezes, em ter que parar o carro no meio da pista para fazer a conversão. Num certo trajeto, deparamo-nos até com um semáforo. Sinal vermelho: paramos! Curiosamente, outros carros passavam. Atrás, alguns buzinavam. Logo começamos a estranhar a demora para a abertura do sinal - fora os veículos que ignoravam o “vermelho”. Temerosos, porém, ficamos parados por longos minutos até que uma alma bondosa, num carro ao lado, baixou o vidro e avisou que não precisávamos respeitar o semáforo. Assim, pudemos seguir viagem.
Claro que, trafegando tanto pelas famosas autobahns, não podíamos deixar de experimentar a tal velocidade livre. No longo caminho que nos levou a Hamburgo, em dado momento nosso motorista acelerou a 160 km/h. Na faixa central, porque ao lado os carrões ainda passavam voando! Ele ainda soltou a mão do volante e o carro seguiu, firme e seguro. Pois outra característica das rodovias alemãs é a precisão dos traçados. Longas retas, poucas subidas e descidas, curvas geometricamente desenhadas de modo que o carro praticamente vai por si só.
Ah, não há pedágios nem buracos, a sinalização é perfeita e vimos obras de melhorias em muitos trechos (bancadas pelo governo).
Foram vinte dias na estrada cruzando a Alemanha de norte a sul. A cautela exacerbada nos livrou das multas, mas nos rendeu buzinadas irritadas (várias) dos motoristas alemães e alguns "micos". Ao menos acumulamos histórias para contar. Rimos de todas elas, é verdade. E aprendemos a falar “Ausfahrt” (“saída”, no caso de rodovias) de tantas placas que vimos com essa indicação. Tratando-se de alemão, aprender uma palavra é algo significativo...!



PS: na foto com a Maria Helena e eu, numa rua de Munique, nosso “companheiro” de viagem. A outra foto foi feita durante uma parada para abastecer num posto alemão.

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