Washington D.C. e Brasília: o destino que as uniu

Acabei de ler um livro sobre Brasília. Organizado por Beth Cataldo e Graça Ramos, “Brasília aos 50 anos – Que cidade é essa?” é um conjunto de textos sobre o cinquentenário da capital. Não conheço a cidade – tampouco tinha muito interesse em conhecê-la. Nutria curiosidade apenas pela sua beleza arquitetônica, desenhada pelas mãos geniais de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Após ler o livro, porém, descobri uma cidade além da cidade. Aliás, nem sei se é correto dizer “além”, pois é justamente sobre a desigualdade e as diferenças que os textos tratam.
Ao ler sobre Brasília, pensei em Washington. A capital dos Estados Unidos foi planejada e criada para ter o destino que tem. Fundada em 1791, representava o futuro de uma nação recém-nascida. Ou seja: antes de ser cidade, foi uma ideia, um conceito. Tal como cá. “Brasília nasce como princípio. A principal dimensão não era geopolítica, mas simbólica. A construção da nova capital sempre esteve vinculada a ideais de modernidade, de superação do atraso e de criação de uma civilização brasileira”, mencionaram Leonardo Barreto e Ricardo Caldas (p. 116).
A execução dos projetos de uma e outra tem similaridades. Da mesma forma como o Distrito de Columbia lá (criado com terras tomadas dos estados de Maryland e Virginia), cá criaram o Distrito Federal (com terras tomadas do estado de Goiás). Os tamanhos variam, é fato: nos EUA, meros 177 km2 de área para a nova capital, contra 5.800 km2 de sua “irmã” brasileira.
Estive em Washington D.C. duas vezes, na primeira acompanhado por dois amigos. Um deles, publicitário, não gostou da cidade. Criticou o óbvio: ela soa artificial, fria, gira em torno do poder. Lá está o National Mall com seus pontos cruciais: de um lado o poderoso Congresso, do outro o Memorial de Lincoln, ao centro o Obelisco (monumento em homenagem a George Washington, o primeiro presidente constitucional dos EUA) e a Casa Branca (a sede do poder Executivo).
Brasília também é assim – na ideia e na estrutura. “A cidade pulsa ao ritmo do governo de plantão no Palácio do Planalto (...)”, escreveu Beth Cataldo (p. 75). “(O Estado) se mantém como a razão de existir da cidade”, disse Graça Ramos (p. 65). Os idealizadores da capital brasileira buscaram inspiração na “irmã” norte-americana. Tal qual o National Mall, Brasília abriga o eixo monumental com seus pontos cruciais: o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto (a sede do Executivo) e o Supremo Tribunal Federal.
Sendo assim, em Washington ou Brasília, não tente fugir do óbvio. Sim, as cidades giram em torno do poder. Então, alie-se a isso! Na capital norte-americana, aproveite para conhecer os belíssimos e interessantes museus (como a Galeria Nacional de Arte, o de História Natural e do Ar e Espaço) espalhados pelo National Mall, todos ligados ao Instituto Smithsonian, todos de graça. Valem cada minuto!

  
Semelhanças e diferenças unem duas grandes cidades. Uma nasceu praticamente junto com o país; a outra nasceu para (tentar) mudar o rumo do país - surgiu fruto de uma “atmosfera de aventura, o sentido de utopia e a força de epopéia (...)”, conforme Conceição Freitas (p. 158). Cumpriram suas missões? Uma já teve tempo para apresentar a resposta; outra é quase uma recém-nascida para responder (cinquentona, é verdade, mas o que é ser cinquentona para uma cidade – por mais que o Brasil tenha apenas quinhentos e poucos anos?).
Um indício do que Brasília se tornou, porém, é descrito por Graça Ramos: “(...) uma vitrine sempre exposta aos olhos dos visitantes. Não poderia supor que, em futuro muito próximo, a cidade seria apenas reflexo, sombra de um sonho. Era usada como fachada para explicitar a potência de homens e mulheres que ergueram do nada uma capital pujante em termos arquitetônicos e urbanísticos. Ao longo dos anos, passou a ser vista – e continua – como exemplo de tudo de errado que o país faz, pensa e deixa de fazer. Espelho que reflete uma sociedade desigual, pouco afeita à civilidade, descuidada com sua história” (p. 58).
Brasília padece de males como o crescimento desenfreado e a desvirtuação da sua ideia original. O transporte público, por exemplo, é deficiente – ao contrário de Washington, onde o sistema funciona muito bem (o metrô chega a ser um desperdício em razão da infraestrutura invejável para tão poucos passageiros). A capital brasileira foi cercada de barracos e afins nas chamadas cidades-satélite (na verdade, regiões administrativas), com estrutura deficiente e altos índices de violência. Já a “irmã” norte-americana é um charme só em seus bairros, como Georgetown (algumas outras áreas da cidade são um tanto vazias, é verdade, porém não o suficiente para tirar-lhes o encanto).
Mora-se bem também nos arredores de Washington - a capital em si é bem pequenina, tanto que o famoso e histórico cemitério de Arlington e o Pentágono, o centro de defesa do país, ficam de fato em outra cidade, Arlington County, no estado da Virginia (embora não se tenha a menor noção de ter entrado em outra localidade, pois basta cruzar o rio Potomac de carro por uma ponte ou pelos trilhos do metrô).
Seja pelas qualidades ou pelos defeitos, Brasília e Washington D.C. merecem uma visita. São exemplos de cidades diferentes das demais. As duas nasceram com um propósito bem definido (sob um certo aspecto, um fardo) – e são resultado disso, dezenas ou centenas de anos depois. Gostem ou não delas, ambas estão aí. Emanando poder.

3 comentários:

Sávio Christi disse...

Mano Rodrigo, vim lhe dar os parabéns por seu trabalho e convidá-lo a acessar minha página de divulgação, eis o endereço → http://www.facebook.com/SavioChristiDesenhistaDivulgacao.

Bom, abraços e até mais então!

Sávio Christi disse...

Brasília e Washington, DC se parecem bastante sim, certamente!

Acho que a grande diferença é que Brasília é governada por um governador, enquanto que Washington, DC é governada por um prefeito!

E uma dúvida que me assola: por que será que Brasília e o Distrito Federal brasileiros não são tidos como sendo equivalentes exatos, assim como são tidos Washington e o Distrito de Colúmbia americano?

Por exemplo, a Wikipédia possui os artigos isolados de Brasília e Distrito Federal (Brasil), ao passo que o artigo de Distrito de Colúmbia redireciona para o artigo de Washington, DC, sendo que sempre acreditei que nosso Distrito Federal fosse equivalente ao Distrito de Colúmbia dos Estados Unidos, já que ambos foram criados para poderem abrigar suas respectivas capitais federais, ou será que estou equivocado nesse assunto?

Rodrigo Piscitelli disse...

Caro Sávio,

Antes de mais nada, grato pela visita e pelo comentário!

Infelizmente, não sei responder sua pergunta. Mas o que você disse faz todo o sentido. Creio que Brasília estaria melhor com um prefeito e não um governador para administrá-la.

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